Um a cada cinco funcionários públicos civis do Executivo federal têm ocupações com “elevado potencial” de terem tarefas substituídas por máquinas nas próximas décadas.
Essa conclusão é parte de uma pesquisa que está em desenvolvimento a pedido da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e teve resultados divulgados em artigo assinado pelos economistas Willian Adamczyk, Leonardo Monasterio e Adelar Fochezatto.
Eles apontam que se trata do primeiro estudo focado nos possíveis efeitos da automação para o setor público no Brasil.
Mas os resultados não implicam necessariamente na dispensa do trabalho de alguns servidores, esclarece Adamczyk à BBC News Brasil.
O pesquisador diz que identificar tarefas que podem ser substituídas por máquinas podem ajudar o governo a determinar habilidades necessárias para requalificar os servidores atuais e também para futuras contratações.
O estudo é baseado na construção de algoritmos capazes de prever a propensão à automação de cada função e aumentar assim a produtividade e reduzir custos no serviço público.
O ponto de partida dos autores é que o setor público segue, com defasagem, as tendências de automação do setor privado.
Eles analisaram as funções de 521,7 mil servidores civis do Executivo federal. Esse é o total de funcionários do governo federal com carga horária igual ou superior a 40 horas semanais que havia em 2017, segundo os dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape).
A pesquisa constatou que mais de 100 mil estão em ocupações com alta propensão à automação — ou seja, pouco mais de 20%.
Considerando todas as cargas horárias, a quantidade de servidores civis do Executivo no fim de 2017 chegava a 634,1 mil. Hoje, com aposentadorias e menos concursos para reposição de funcionários, esse número caiu para 601,9 mil, de acordo com o Painel Estatístico de Pessoal.
Ocupações com mais chances de automação
As ocupações com mais chances de automação têm em comum menores níveis de escolaridade e remunerações mais baixas.
Por isso, a participação desse grupo na folha de pagamento é menor: representam R$ 595 milhões do total de mais de R$ 5 bilhões da folha mensal do Executivo federal referente a 2017. Isso equivale a pouco mais de 11%.
Com maior propensão à automação, aparecem nas primeiras posições técnicos de sistemas audiovisuais, além de servidores da construção civil, como armador, pedreiro, pintor e carpinteiro.
A remuneração média desses profissionais está abaixo da média de R$ 9.913 para o total de ocupações analisadas.
“No caso do pedreiro, a automação pode se dar por inovações nos processos de construção, como o uso mais intensivo de pré-moldados, ou processos que ainda não são economicamente viáveis, como a impressão 3D em larga escala”, diz Adamczyk.
A maioria dos funcionários públicos com cargo de pedreiro já está aposentada, mas hoje existem mais de 200 servidores na ativa com essa função, vinculados principalmente a universidades federais, segundo o Painel Estatístico de Pessoal.
Na outra ponta, com os menores riscos de substituição por inteligência artificial, estão as funções de pesquisadores (em engenharia, saúde, ciências sociais, educação), perito criminal, biólogo, gerente de serviços de saúde e psicólogo clínico.
A maioria dessas funções tem remunerações acima da média de R$ 9.913 para o total de ocupações analisadas.
Os autores apontam que as atividades mais comuns entre esses pesquisadores são as que envolvem desenvolvimento de novos materiais, produtos, processos e métodos.
São funções que “estão na fronteira do conhecimento e longe de possibilitarem uma padronização em seus processos, dada a elevada complexidade das tarefas e necessidade de elementos de criatividade e inovação para que sejam executados.”
Também aparecem com baixa propensão à automação profissionais como economistas, sociólogos, geógrafos, biólogos, psicólogos e antropólogos, além de outras funções que “desempenham atividades centrais para o desenvolvimento das próprias tecnologias de automação.”
“A tendência é de substituição das tarefas mais repetitivas e que envolvem tomada de decisões mais simples. Por exemplo, calcular e devolver um troco, anotar um pedido, passar informações básicas, preencher formulários e planilhas. Ocupações de maior qualificação serão mais difíceis de automatizar por realizarem tarefas complexas abstratas, não rotineiras, que exigem criatividade, negociação, persuasão e atenção a pessoas ou equipes”, diz Adamczyk.
O pesquisador pondera que uma ocupação ser propensa à automação não significa que ela necessariamente deixará de existir.
“Significa que ela poderá se aproveitar da introdução de novas tecnologias, ora para complementar e melhorar a produtividade do trabalhador, ou então para reformular completamente essa ocupação.”