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Geral 16 de fevereiro de 2022

Presidente almeja conceder reajuste a servidores nos anos de 2022 e 2023. Confira as barreiras e caminhos legais

O governo federal reservou R$ 1,7 bilhão no Orçamento da União para a concessão de reajuste a servidores federais neste ano. Em diversas ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vinha anunciado que o aumento deveria a ser apenas para forças de segurança e em paralelo, comentava sobre aumentar as remunerações de todo o funcionalismo no próximo ano. Porém, por se tratar de ano de eleição, o arcabouço jurídico brasileiro possui amarras que podem barrar o cumprimento dessas promessas.

Se decidir realizar reajuste salarial ainda neste ano eleitoral, Bolsonaro teria de fazê-lo até, no máximo, 180 dias antes do fim do seu mandato, segundo o que determina o inciso II do artigo 21º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A data-limite para conceder o aumento, o prazo seria até 4 de julho.

Outra norma que pode colocar limites aos reajustes salariais é a Lei Eleitoral (9.504/1997). Ela impede, segundo o inciso VIII do artigo 73.º, “revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição” no período que começa de 180 dias antes da eleição e vai até a posse dos eleitos. Nesse caso, a data-limite seria até 4 de abril. O motivo dessa restrição, segundo a legislação, é que o possível aumento pode “afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos”. O objetivo é evitar que o eleitor sofra influências.

A promessa de Bolsonaro de promover algum reajuste em 2022 já teve várias idas e vindas. Nas primeiras declarações públicas, ainda no ano passado, o presidente chegou a dizer que o aumento seria para todo o funcionalismo, “sem exceção”. Mas o Orçamento apertado o levou a mudar o discurso na sequência e limitar o número de beneficiados.

 

Nessa última sexta-feira (11), Bolsonaro afirmou que, se não houver “entendimento” por parte das categorias do funcionalismo, o reajuste a policiais e agentes penitenciários ficará para 2023. “Se houver entendimento por parte dos demais servidores – pois alguns ameaçam greve etc. –, pretendemos conceder essa recomposição aos policiais federais, PRF [Polícia Rodoviária Federal] e agentes penitenciários”, disse. “Se não houver entendimento, a gente lamenta e deixa para o ano que vem.”

 

Lei sancionada pelo presidente veda pagamento de reajuste após atual mandato

Ao mesmo tempo em que não decidiu sobre o reajuste, Bolsonaro tem prometido aumento para todo o funcionalismo no próximo ano. “Tendo em vista que devemos ter uma excelente arrecadação este ano, por ocasião da feitura do Orçamento de 2023 nós vamos atender com percentual bastante razoável todos os servidores do Brasil”, disse Bolsonaro no fim de janeiro, em entrevista à “TV Record”.

 

Neste caso, a legislação proíbe, no inciso III do artigo 21.º, que o chefe do Executivo preveja qualquer aumento de gastos dessa natureza com parcelas a serem pagas após o fim de seu mandato, que se encerra em 31 de dezembro. A regra também se aplica se o presidente for reeleito.

O dispositivo foi incluído na LRF pela lei complementar 173, que criou o “Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19)” e foi sancionada por Bolsonaro em 27 de maio de 2020.

 

“Não adianta, por exemplo, o agente público querer dar um reajuste menor neste ano e já garantir reajuste para anos seguintes porque isso não será válido e vai confrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz Daniel Curi, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) e consultor do Senado Federal.

Ainda, segundo especialistas, a redação da Lei Eleitoral permite que Bolsonaro conceda reajustes de salário pontuais, mesmo dentro do período de 180 dias que antecede as eleições e acima da inflação, uma vez que a norma veta explicitamente apenas a “revisão geral da remuneração dos servidores que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição”.

 

A princípio, a Economia não pretendia reservar recursos para nenhum reajuste salarial, mas teve de atender a pedido do próprio Bolsonaro e solicitou a reserva de recursos para isso no Orçamento de 2022.

Segundo a procuradoria, o texto dá brecha para “correções por categoria” – e eventualmente aumentos reais, acima da inflação – no prazo de 180 dias antes da eleição.

“Apesar de o tema comportar interpretações diversas, podemos afirmar que a atual jurisprudência do TSE se posiciona no sentido de que o inciso VIII do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, não proíbe, no período que medeia os 180 dias que antecedem à realização das eleições e a posse dos eleitos, na circunscrição do pleito, a revisão setorial ou por carreiras da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição”, diz o parecer da PGFN revelado pelo jornal “Estado de S. Paulo”.

 

“Revisão geral anual” de salários de servidores consta na Constituição

Há entendimentos que vão ainda mais longe, no sentido de que a revisão anual dos salários não se submete a nenhuma dessas leis, já que se trata de uma garantia constitucional, e a Carta Magna se sobrepõe às demais legislações. A Constituição Federal, no inciso X do artigo 37º, assegura a recomposição inflacionária anual do salário dos servidores federais, em “revisão geral anual”, e a atrela à aprovação de uma lei a ser enviada ao Congresso Nacional.

“A revisão geral está acima da LRF. Inclusive, a lei reconhece isso, quando, por exemplo, dispensa a aplicação do parágrafo 1.º do artigo 17.º, que trata das despesas obrigatórias de caráter continuado derivado de lei”, explica dos Santos.

De modo geral, a LRF exige que qualquer ato que resulte em aumento de despesa “derivada de lei” tenha estimativa de impacto e demonstração da origem de recursos, entre outras coisas. “Essa é uma das principais regras da LRF, mas não se aplica aos serviços da dívida nem ao reajustamento da remuneração para cumprir a revisão geral, segundo o parágrafo 6.º do mesmo artigo”, diz o consultor legislativo.

 

Santos observa que, embora uma revisão anual do salário dos servidores públicos seja garantia constitucional e deva ser feita por meio de projeto de lei, o dispositivo não tem sido cumprido a rigor.

“Desde que foi incorporado na Constituição para garantir essa anualidade, após o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ter congelado os salários dos servidores entre 1995 e 1998, o cumprimento da norma acabou se tornando uma miragem, até mesmo por força da própria leniência do STF com as manobras que foram adotadas para esse fim”, afirma.

 

Segundo ele, a vinculação do reajuste à aprovação de lei veio após episódios de concessão de melhorias salariais e vantagens sem preocupação com o cumprimento de regras de responsabilidade fiscal. “Certas regras foram surgindo com o objetivo de impedir leniência, abusos, descontroles”, diz.

Para Daniel Curi, da IFI, será complexo usar interpretações da LRF e Lei Eleitoral favoráveis ao reajuste quando se tem uma situação fiscal desafiadora.

“Terá muita pressão por reajuste, mas os normativos serão lembrados, especialmente porque estamos em uma situação fiscal pouco confortável”, diz. “O desemprego está bastante elevado, o crescimento [do PIB] neste ano deve ficar perto de zero. O contexto econômico e social vai influenciar nas discussões. Não sabemos se interpretações favoráveis ao reajuste vão prevalecer.”

Fonte: Gazeta do povo

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